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Paulo Gil

Um raio atravessou-me o telemóvel: o Paulo Gil tinha falecido. Confesso que tive um momento de incredulidade, mas a notícia era do seu amigo Ricardo e não deixava dúvidas. Mas não podia ser.

Nós tínhamos tido uma longa conversa ao telefone ainda na semana passada - de mais de quarenta e cinco minutos, e ele gostava de conversar –, e na semana anterior tínhamos estado os dois no Hot. Ele estava sentado no mesmo lugar de sempre, à frente do palco, sempre rodeado de amigos e sempre interpelando os músicos no palco, com toda a autoridade e desplante que os mais de sessenta anos de Jazz lhe autorizavam. Sessenta e sete anos de associado do Hot, mais precisamente, soube hoje; o que fazia dele o mais antigo sócio do Hot vivo, como alardeava.

O Paulo Gil teve uma vida longa dedicada ao Jazz. As minhas recordações mais longínquas são dos anos 70, no Hot, como baterista do Plexus, ou com Manuel Guerreiro, o Xico Xavier, o Courinha o Celso de Carvalho e muitos outros, e como jornalista em alguns artigos dispersos na imprensa da altura. Mas Paulo Gil foi divulgador, foi músico, baterista, cantou até!, fez rádio e televisão: «O Som da Surpresa» -, compôs para uma banda sonora, escreveu nos jornais, fez promoção discográfica, produziu discos, fez produção de concertos e festivais (Seixal, Oeiras, Figueira da Foz…) , foi membro da direcção do Hot Club, fez de tudo, com um entusiasmo e bonomia contagiantes. No seu último feito como agente, ele tinha trazido o Wayne Escovery ao Hot Club e a Oeiras, ainda no Abril passado.

Paulo Gil fez-se sócio do Hot Clube em 1955 pela mão de Luiz Villas-Boas e foi membro de várias direcções do clube, tendo acompanhado a transição do Hot nos atribulados anos 70, e da mesma forma a irrupção da nova geração dos últimos 10 anos. Nos últimos anos, vangloriava-se, a maior parte dos seus amigos tinha entre 20 e 30 anos de idade, e entre eles contavam-se inúmeros dos músicos da nova geração, que com incontida emoção tinha visto surgir e crescer e que com paixão e orgulho aplaudia.

Há pessoas que nos habituamos a encontrar ao longo dos anos e que acreditamos que são eternas; até que batemos de frente com a realidade. A verdade é que, para mim, o Jazz, o Hot Club e o Paulo Gil confundem-se: quando comecei a ir ao Hot, nos anos 70, ele já lá estava, e quando voltar ao Hot, esta ou a próxima semana, vou olhar para o lugar dele à espera de o ver.

Paulo Gil, 1937 - 2022